Seca aguda na Amazônia, onda de calor no Sudeste e Centro-Oeste, enchentes no Sul. Eventos extremos no Brasil se somam a outros choques climáticos pelo mundo este ano e aumentam as preocupações de produtores rurais, que já sentem o impacto do aquecimento global nas lavouras e no bolso. É o que mostra uma pesquisa realizada sob encomenda da Bayer (gigante química alemã que produz insumos para a agropecuária) em oito países que são grandes no setor, entre eles o Brasil.
Dos 800 produtores ouvidos, 71% relataram que já sofrem impactos (inclusive financeiros ) da mudança climática em suas fazendas, e 76% temem as consequências desse processo no futuro. No Brasil, esse índice é ainda maior: 84%.
A empolgação com a supersafra brasileira de 2022 a 2023 já é passado. No campo, o otimismo deu lugar à apreensão. Produtores de soja do Cerrado, que já começaram a semear, ainda aguardam as chuvas regulares da primavera, enquanto produtores de arroz do Rio Grande do Sul esperam a estiagem em meio às enchentes. O plantio, que ocorre entre setembro e outubro, atrasou.
— Foram 500 milímetros de chuva em setembro, enquanto a média é em torno de 140 milímetros. Está um horror — diz Alexandre Velho, da fazenda Parceria Cavalhada, em Mostardas, no litoral gaúcho.
No Sul da Europa, com o calor mais forte este ano, vacas produziram menos leite e tomates estragaram. A colheita de grãos foi menor por causa da seca, elevando o risco de a inflação na zona do euro se manter por mais tempo que se esperava.
No Rio Grande do Sul, o plantio do arroz precisa ser feito agora para que a planta se beneficie ao máximo do melhor período de insolação, em janeiro. Embora a imagem dos campos alagados com uma fina camada de água seja a marca dessa cultura, é preciso tempo seco para semear, uma preparação de cerca de três semanas antes de o solo começar a alagar, explica Velho, que também é o presidente da Federarroz-RS, que representa produtores gaúchos.
No fim de setembro, de 20% a 30% da chamada fronteira Oeste do Rio Grande do Sul já deveriam estar plantados, mas, segundo o agricultor, o plantio “andou um pouco”, de forma desigual no estado. Com isso, a colheita também deve atrasar.
Previsões climáticas apontam que outubro continuará com chuvas acima da média no Sul do país. Segundo Jossana Cera, meteorologista do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), as previsões mostram que, até o próximo dia 15, não deve haver períodos secos longos o suficiente para o plantio:
— Como está muito úmido, qualquer garoa, de 1 ou 2 milímetros, já atrapalha. Daí os produtores têm de parar (de semear) e esperar secar de novo.
Influência nos preços
Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, ainda não é possível antecipar os impactos sobre a agropecuária — e o preço dos alimentos — da combinação do fenômeno El Niño (aquecimento das águas do Pacífico, que tem se mostrado severo desde meados do ano) com as mudanças climáticas, mas uma coisa é certa: a deflação que se vê agora no Brasil “tem data para acabar”. De junho a setembro, os preços dos alimentos acumularam queda de 4,01% no IPCA, segundo o IBGE.